No ensino fundamental, me ensinaram que -1 * -1 = +1, negativo vezes negativo dá positivo. Ninguém me explicou o motivo, o máximo que tinha era uma tabela assim:
Digamos que o meu inimigo seja o Corinthians. E o Corinthians pega o Tolima na Libertadores. Então, vou torcer para o Tolima.
A analogia é falha. E se o Corinthians jogar contra o Palmeiras e o Palmeiras também for meu inimigo? Por que não posso dizer que negativo vezes negativo é negativo?
O post tem duas partes.
1 – A interpretação de -1 * -1 = +1
2 – O que aconteceria se -1 * -1 = -1
Os números ajudam a contar as grandezas existentes no mundo: 1 carneiro, 5 pessoas, João empresta 10 reais a Alfredo.
A linha dos números Naturais é assim:
Com o tempo, as pessoas viram a necessidade de criar números negativos: estou devendo 2 carneiros, faltam 5 pessoas para fechar o pacote, Alfredo deve 10 reais a João.
A linha dos números Inteiros é assim:
Se multiplico o número 2 pelo número 3, ando 3 vezes seguidas um vetor de tamanho 2 na reta dos inteiros.
Se multiplico o número -2 pelo número 3, ando 3 vezes seguidas um vetor de tamanho 2 na reta dos inteiros, mas na direção oposta.
Note que a reta positiva é igual à negativa, exceto que espelhada no zero.
Tomando a reta dos inteiros como base, podemos interpretar a multiplicação por -1 como uma reflexão em torno do zero, uma rotação de 180 graus.
É como se chegasse um rei e dissesse: a partir de agora todos os créditos viram débitos e todos os débitos viram créditos. Se Alfredo estava devendo R$ 10,00 para o João, agora João é que está devendo R$ 10,00 para Alfredo.
Note a simetria: as coisas se invertem na direção oposta, sem perder a magnitude.
Olha só como fica a conta -3*(2 – 2)
Represento 2 e -2 na reta:
A soma deles é zero, porque é como se duas forças iguais puxassem um pacote: não sai do lugar. Multiplicando zero por -3, tenho zero de resposta.
Por outro lado, -3*(2 – 2) = -3*2 + -3*-2, pela propriedade distributiva.
-3*2 significa que
-3*-2 significa que
E -6 + 6 = 0. Portanto, fazer a conta das duas formas dá o mesmo resultado.
A definição -1 * -1 = +1 permite que a álgebra tenha a propriedade distributiva. E a álgebra contém simetrias. Ela é consistente com a matemática como um todo, e existe até um ramo da Matemática que estuda isto: a Teoria de Grupos. E foi com esta matemática que a humanidade calculou áreas, resolveu equações, projetou edifício, barragens, máquinas, chegou a Lua e construiu a bomba atômica.
O mais legal é esta noção de rotação se encaixa no corpo dos números complexos.
Multiplicar por i (imaginário) significa rotacionar 90 graus:
Números complexos combinam com rotações e rotações combinam com funções periódicas.
Uma função periódica importante é a eletricidade. A rede elétrica de todas as casas do mundo é em corrente alternada, e números complexos são a ferramenta ideal para descrevê-las.
Num outro universo, -1 * -1 não precisa ser igual a 1. Podemos definir -1 * -1 = -1. Mas isto não é álgebra normal.
Vamos chamar a álgebra que define negativo * negativo = negativo de Tabajara Álgebra. Algumas consequências: esta álgebra não teria simetria em torno do zero nem propriedade distributiva.
Por exemplo.
-3*(2 – 2) = -3*2 + -3*-2, propriedade distributiva.
-3*2 = -6, pela Tabajara álgebra
-3*-2 = -6, pela Tabajara álgebra (lembre-se que negativo * negativo = negativo)
Portanto, -3*2 + -3*-2 =-12, ao passo que -3*(2 – 2) =0.
Não tem nada de errado na conta, a única coisa esquisita é que a propriedade distributiva não vale mais.
Poderíamos tentar descobrir quais os teoremas válidos na Tabajara álgebra e escrever uma tese de doutorado. Seria o Teorema de Pitágoras válido? A fórmula de Bháskara?
Provavelmente nenhum teorema útil seria válido na Tabajara álgebra. E, além disso, esta nova álgebra não teria aplicação na vida real, sendo apenas um exercício de imaginação.
-1 * -1 = 1 porque multiplicar por -1 é como rotacionar um vetor em 180 graus.
Isto permite que os inteiros sejam um grupo, e que a álgebra tenha propriedades de simetria consistentes, como a propriedade distributiva. Toda a matemática existente está fundamentada nisto.
Arnaldo Gunzi
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